Fonte: http://www.veritatis.com.br
1.
Na preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, o corrente ano é
dedicado de modo particular ao Espírito Santo. Procedendo no caminho
iniciado para a Igreja inteira, depois de ter concluído a temática
cristológica, hoje começamos uma reflexão sistemática sobre Aquele “que é
Senhor e dá a vida”. Em múltiplas ocasiões falei amplamente a respeito
da terceira pessoa da Santíssima Trindade. Recordo, em particular, a
Encíclica “Dominum et vivificantem” e a catequese sobre o Credo. A
perspectiva do iminente Jubileu oferece´me a ocasião para voltar de novo
à contemplação do Espírito Santo, a fim de perscrutar com espírito
adorante a ação que Ele realizar no fluxo do tempo e da história.
2.
Na realidade esta contemplação não seria fácil, se o próprio Espírito
não viesse em ajuda da nossa debilidade (cf. Rm 8,26). Como discernir,
com efeito, a presença do Espírito de Deus na história ? Só podemos dar
uma resposta a esta pergunta recorrendo às Sagradas Escrituras que,
inspiradas pelo Paráclito, nos revelam progressivamente a Sua ação e a
Sua identidade. Elas manifestam´nos, de certo modo, a “linguagem” do
Espírito, o Seu “estilo”, a Sua “lógica” . A realidade em que Ele atua, é
possível lê´la também com olhos que penetram para além duma simples
observação exterior, captando atrás das coisas e dos eventos os traços
da Sua presença. A própria Escritura, desde o Antigo Testamento,
ajuda´nos a compreender que nada de quanto é bom, verdadeiro e santo no
mundo, se pode explicar independentemente do Espírito de Deus.
3.
Uma primeira velada referência ao Espírito encontra´se desde as
primeiras linhas da Bíblia, no hino a Deus criador com que se abre o
livro do Gênesis: “O Espírito de Deus movia´Se sobre a superfície das
águas” (Gn 1,2). Para dizer “espírito” usa´se aqui a palavra hebraica
ruach que significa “sopro” e pode designar tanto o vento como o
respiro. Como se sabe, este texto pertence à chamada “fonte sacerdotal”
que remonta ao período do exílio babilônico (VI séc. a . C.), quando a
fé de Israel tinha chegado explicitamente à concepção monoteísta de
Deus. Ao tomar consciência do poder criador do único Deus, graças à luz
da revelação, Israel chegou a intuir que Deus criou o universo com a
força da Sua palavra. Unido a esta, emerge o papel do Espírito, cuja
percepção é favorecida pela mesma analogia da linguagem que, por
associação, vincula a palavra ao sopro dos lábios: “Pela palavra do
Senhor foram feitos os céus, pelo sopro (ruach) da Sua boca, todos os
seus exércitos” (Sl 33,6). Este sopro vital e vivificante de Deus não
está limitado ao instante inicial da criação, mas sustém em permanência e
vivifica toda a criação, renovando´a continuamente: “Se lhes enviais o
Vosso espírito, voltam à vida, e renovais a face da terra” (Sl 104,30).
4.
A novidade mais característica da revelação bíblica é ter divisado na
história o campo privilegiado da ação do Espírito de Deus. Em cerca de
100 passagens do Antigo Testamento o ruach JHWH indica a ação do
Espírito do Senhor que guia o Seu povo, sobretudo nos grandes momentos
do seu caminho. Assim, no período dos juízes, Deus fazia descer o seu
Espírito sobre homens débeis e transformava´os em guias carismáticos,
investidos de energia divina: é o que aconteceu com Jedeão, Jefte e em
particular com Sansão (cf. Jz 6,34; 11, 29; 13, 25; 14.6.19). Com o
advento da monarquia davídica esta força divina, que até então se
manifestara de modo imprevisível e intermitente, alcança uma certa
estabilidade. Isto é bem constatado na consagração régia de David, a
propósito do qual a Escritura diz: “A partir daquele dia o Espírito do
Senhor apoderou´Se de David” (1 Sm 16,13). Durante e depois do exílio na
Babilônia toda a história de Israel é relida como um longo diálogo
estabelecido por Deus com o povo eleito, “pelo Seu Espírito, pelo
ministério dos profetas do passado” (Zc 7,12). O profeta Ezequiel torna
explícito o ligame entre o espírito e a profecia, por exemplo quando
diz: “Então desceu sobre mim o espírito de Deus e disse´me: “Diz: Assim
fala Deus...”. (Ez 11,5). Mas a perspectiva profética aponta sobretudo
no futuro o tempo privilegiado em que se cumprirão as promessas no sinal
do ruach divino. Isaías anuncia o nascimento de um descendente, sobre o
qual “repousará o espírito ... de sabedoria e de entendimento, espírito
de conselho e de fortaleza, espírito de ciência e de temor do Senhor”
(Is 11,2´3). “Este texto – como escrevi na Encíclica Dominum et
vivificantem – é importante para toda a pneumatologia do Antigo
Testamento, porque constitui como que uma ponte entre o antigo conceito
bíblico do espírito, entendido primeiro que tudo como “sopro
carismático”, e o “Espírito” como pessoa e como Dom, Dom para a pessoa. O
Messias da estirpe de David (“do tronco de Jessé”) é precisamente essa
pessoa, sobre a qual “pousará” o Espírito do Senhor” (n. 15).
5.
Já no Antigo Testamento emergem dois traços da misteriosa identidade do
Espírito Santo, depois amplamente confirmados pela revelação do Novo
Testamento. O primeiro traço é a absoluta transcendência do Espírito,
que por isso chamado “santo” (Is 63, 10.11; Sl 51,13). Para todos os
efeitos o Espírito de Deus é “divino”. Não é uma realidade que o homem
pode conquistar com as suas forças, mas um Dom que vem do alto: só se
pode invocá´lo e acolhê´lo. Infinitamente “outro” a respeito do homem, o
Espírito é comunicado com total gratuidade a quantos são chamados a
colaborar com Ele na história da salvação. E quando esta energia divina
encontra um acolhimento humilde e disponível, o homem é arrancado do seu
egoísmo e libertado dos seus temores, e no mundo florescem o amor e a
verdade, a liberdade e a paz. Outra característica do Espírito de Deus é
o poder dinâmico que Ele revela nas Suas intervenções na história. Às
vezes corre´se o perigo de projetar sobre a imagem bíblica do Espírito
concepções ligadas a outras culturas como, por exemplo, a concepção do
“espírito” como algo evanescente, estático e inerte. A concepção bíblica
do ruach está, ao contrário, a indicar uma energia supremamente ativa,
poderosa, irresistível: o Espírito do Senhor – lemos em Isaías – “é
torrente transbordante” (30,28). Por isso, quando o Pai intervém com o
seu Espírito, o caos transforma´se em cosmo, no mundo acende´se a vida, e
a história põe´se novamente em caminho.
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